domingo, 26 de junho de 2016

PSIQUIATRIA EM TEMPOS DE PT



 Sou psiquiatra , e o Brasil está destruindo minha profissão... 

Esses dias uma médica do SAMU levou um paciente para o nosso hospital psiquiátrico ( delirando por causa de um tumor cerebral por criptococose associada à infecção por HIV) dizendo que ele estava com um “transtorno psicológico” para a gente tratar. 

Há poucos dias o Estadão noticiou que o menino de 11 anos ( com grave distúrbio de conduta, hiperativo, toxicômano, etc ) que acompanhava aquele outro que furtou um carro e levou um tiro na cabeça seria submetido à “exames psicológicos”. 

Como se vê, jornalistas importantes, e até médicos, aboliram o “fato psiquiátrico”. Agora só existem “problemas psicológicos”, “transtornos psicológicos”, o que é uma contradição de termos, pois, por definição, “psicologia” lida com a mente normal, lida com a “alma” , o que adoece já é psiquiátrico ( o que fica doente, lesionado, transtornado, é o cérebro, a “matéria”, não a “alma”- esta não adoece ). 
Tais equívocos remontam à proverbial hipocrisia lingüística brasileira. Vejamos : aqui entre nós - Brasil – é “muito politicamente incorreto” usar-se palavras tais como : idiota, imbecil, débil mental, retardado, mongolismo, lepra, aidético,cretino, esquizofrênico. Até “bipolar” está virando xingamento : meus pacientes se “revoltam” quando eu digo que a “depressão” deles, “diagnosticada pela psicóloga”, é , na verdade, uma doença bipolar...

 Ora, na Europa, nos países desenvolvidos do hemisfério norte, “idiotia”, “imbecil”, “debilidade”, “cretino/cretinismo”, são doenças mentais. São palavras nascidas na ciência, na medicina, são , por exemplo, graus progressivos de deficiência intelectual, que vão desde o nível da “debilidade”, até a “idiotia”, passando pelo grau de imbecil. Da mesma forma, “cretinismo”, “mongolismo”, “esquizofrenia”, “retardamento mental”, “AIDS”, são também doenças, sem nenhum cunho pejorativo moral para ninguém.

 No Brasil, ser “doente mental”, “doente psiquiátrico”, virou alcunha criminosa/moral, tanto é que a Assoc.Bras.de Psiquiatria tem-se batido contra isso em uma campanha nacional : “psicofobia é crime”. 
Eu particularmente acho que a campanha seria muito melhor denominada de “psiquiatro-fobia é crime”, pois as pessoas não têm estigma, preconceito, discriminação, repulsa , pelo que é “psicológico” ( pelo contrário ) mas sim pelo que é “psiquiátrico”. 

Entre nós, a superficialidade, aparência, fingimento, dissimulação, fachada, à que está sujeita a mente do brasileiro não consegue aprofundar-se racionalmente nas coisas. Por exemplo, julga-as pelas aparências, não pelo que de fato são, na profundidade.

 O cretinismo, por exemplo, é uma doença da tireóide, assim como o mongolismo é uma doença dos genes , a idiotia é uma doença do cérebro e a AIDS uma doença dos linfócitos. 
Não são “doenças do caráter”, “doenças da inteligência”, “doenças do sexo”; essas podem ser puras manifestações superficiais daquelas.
 Não se pode tomar a superfície pela causa profunda.
 Mas no Brasil não funciona assim pois não somos um “povo cerebral”, somos um “povo amigo”, um povo “família”, de “boas relações”, “bons amigos”, “um povo cordial”.
 Aqui, falar que é um paciente “psiquiátrico”, falar que “toma gardenal”, isso já é algo “pejorativo”, é algo “que prejudica a relação”.
 Quando , no Brasil, falamos que um indivíduo é “gardenal”, estamos falando de um “cara que baba”, não de alguém que sofre com um cérebro lesionado. Não pensamos no “cérebro lesionado” porque nossa curta mente de brasileiro não consegue entender o que é a epilepsia ( uma doença conseqüente a uma lesão neuronal encefálica localizada, específica, não contagiosa ). Preferimos ver só a manifestação comportamental pejorativa do epiléptico, alcunhado de “gardenal”. 

O conhecimento leva à aceitação, já dizia o filósofo holandês Espinosa – consequentemente, a ignorância leva ao desprezo. A ignorância do brasileiro em relação ao fato psiquiátrico soma-se à utilização “político-corporativista” que é feita disso : o esquerdismo adora assimilar o psiquiatra a um frio e autoritário empresário, a um carrasco; assimilar o hospital psiquiátrico à uma prisão, a medicação psiquiátrica à uma falta de diálogo e falta de psicoterapia ( aqui entra o corporativismo de determinadas profissões , cujo objetivo seria o de “humanizar o sofrimento psicológico”, seja nos Caps do Governo ( centros psicológicos-sociais ) , seja nos consultórios de psicanálise . 

Assimila-se assim, por motivos políticos, pecuniários, a psiquiatria à “direita”, à “desumanidade”, “à falta de sensibilidade humana”, “ao rótulo de uma doença”, “ao estigma de uma falha de caráter”. 

É importante, para determinados segmentos políticos, profissionais, religiosos, e até “sexuais”, que a psiquiatria desapareça da face da Terra.
 Há movimentos feministas que reclamam de “rótulos anti-mulher dados pela psiquiatria” , tais como histeria, masoquismo, borderline”.
 O movimento LGBT não cansa de se regozijar do fato de “terem vencido a batalha contra os psiquiatras, que teimavam em rotular a homossexualidade como doença”. 
Há até uma religião – a “Cientologia” - cujo maior objetivo é riscar o “engodo da psiquiatria do mapa”. Políticos de linha esquerdista ( “libertários”, “humanos”), não se cansam de lembrar de que, na antiga União Soviética, os dissidentes políticos eram internados em prisões-hospitais-psiquiátricos com o rótulo de “esquizofrenia”. 

Portanto, nada mais salutar do que dizer que a “psiquiatria é de direita”, é autoritária, é truculenta, é “empresarial”, “vamos acabar com a psiquiatria”. Sim, para todos é importante acabar com a psiquiatria, e é por isso que ela está mesmo acabando mesmo no Brasil. 
Por exemplo, há 15 anos acabaram com o maior hospital psiquiátrico público de Goiás, Adauto Botelho, dizendo-se, na época , que “estávamos numa época em que o hospital psiquiátrico não era mais necessário”. Pois bem, Goiás acaba de inaugurar um hospital psiquiátrico ( Credeq ) cuja área é três vezes maior do que o do antigo Adauto Botelho, só que não leva mais o estigmatizado nome “psiquiátrico”. Agora é um “desmedicalizado”, “humanizado” ( dirigido pela Igreja Católica ) “centro de referência em dependências químicas” – sigla “credeq”. Como se vê, caro leitor, as palavras têm mesmo poder..

Marcelo Caixeta, médico especialista em doenças cerebrais que cursam com sintomas comportamentais ( antigamente, quando se existia isso, era um “psiquiatra”).


Um comentário:

  1. sou de Barbacena,rsrs isso diz muito, não??? Atualmente, resido em BH. Sou tb depressiva, herdei de meu pai. já aprendi que devo falar disso com poucas pessoas...aprendi tb e vivi: a depressão é uma linha tênue entre a sanidade e a loucura...Como tivemos tristes exemplos com meu pai que nos idos de 30 p/ frente, o preconceito era maior e meu pai nunca tratou-se vivendo na bipolaridade. Eu, já com aquele histórico, sempre li mto e cuidei-me, felizmente, tenho assistẽncia da saúde da PMMG e encontro bons profissionais.mesmo assim, já tive entre a vida e a morte...Tanta gente jogada pelas ruas percebo que a maioria com depressão. A desmanicomiação foi mais um golpe dos governos de tirarem de suas "costas" o que é seu dever. Como sempre, usaram exemplos de manicômios como os de Barbacena e outros p/ justificarem suas atitudes porém, vemos que foi tudo fruto de má administrações como tem sido o País nestes anos petistas/socialistas. Há mto o que expor, o espaço é pequeno,rsrs. Quem iteressar-se por conhecer meu pai, leia o texto que escrevi no meu blog: www.gracaleal.blogspot.com=UMA FLOR CHAMADA MELÍFERA.

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